*consultar introdução e contexto destas 11 dicas na primeira dica, aqui.
Dica nº 4 – Respeitar os Limites Corporais das Crianças
Faz parte da nossa cultura e crenças populares olhar a criança como um ser de algum modo “inferior” – penso que dada a sua imaturidade psicológica e física, no geral os adultos acham que têm um poder intrínseco que podem e devem exercer sobre a criança em vários contextos.
Por exemplo quando forçamos uma criança a comer (conseguimos forçar alguém a comer???), quando pegamos à força para colocar na cadeirinha, quando obrigamos a cumprimentar, quando obrigamos a vestir coisas que não querem. E nem falo de violência física, isso então é inqualificável.
CLARO que nós, como pais e adultos temos mais maturidade, mais responsabilidade: social, financeira, psicológica. CLARO que como pais e adultos temos de guiar, decidir, orientar muito do que se passa na vida das crianças.
Mas até que ponto, em MUITAS dessas vezes, não estamos a confundir o nosso papel de educadores e orientadores, com uma posição de poder e controlo excessivo? Posso-lhe dizer que muitos dos comportamentos difíceis e/ou indesejáveis das crianças têm a ver com esta falta de respeito que, sem querer, acabamos por ter com os nossos filhos.
Ontem a minha filha estava a (tentar) fazer cocó no bacio. Ela é muito presa e esta aprendizagem dos cocós está a levar o seu tempo e é um assunto difícil. Então ontem estava ela no bacio, fazendo os seus desenhos para ajudar, e começou a cheirar mal, e eu instintivamente disse:
– Já fizeste Inês, deixa ver…
Levantei-a, e vi uma caganita pendurada que se estava a esborrachar no rabinho dela e no bacio… e claro, logo agarrei uma toalhita e limpei. De facto, por trás, a Inês dizia: “Não mãeeee, não limpessss aindaaa”
Claro, isto parece óbvio, “Então Tânia, mas se ela estava suja tinhas de a limpar, é normal, é o que as mães fazem”. Ou então não.
Naquele momento, eu não ouvi a minha filha, concentrada na minha tarefa de mãe. A verdade é que ela ainda não tinha acabado de fazer, e tem muita sensibilidade em toda aquela zona do rabiosque. Eu com a melhor intenção, queria apenas deixá-la mais confortável para ela terminar o seu serviço. Mas ela NÃO QUERIA. Ela queria apenas acabar de fazer o seu cócó descansada. Como ainda por cima estava exausta… adivinhem… saiu uma birra enorme, e cócó, nada!
– Eu não quia que tu limpavas-me o lááábooo!
Começou a Inês a chorar a bom chorar.
Aí percebi: eu esqueci-me de a respeitar – de respeitar os seus limites corporais. Afinal e pensando bem, eu também não me limpo a meio dessa situação, por norma… Eu poderia ter perguntado:
– Inês já acabaste? Queres-te limpar já ou no fim de tudo?
Acho que teria bastado isso, e não teria ouvido os gritos de choro da minha filhota cansada e frustrada. E que diferença faria aguardar um pouco para a limpar? Neste caso, nenhuma (claro que não pode fazer o que quer, e ir para a cama de rabo sujo, não seria uma opção por exemplo – haja senso).
Consegui acalmá-la com um sincero pedido de desculpas:
– Desculpa filha, pensei que estava a fazer o melhor. Não tomei atenção, e tu até me estavas a dizer que não te querias limpar ainda. Desculpa-me, prometo que da próxima vou ouvir o que tens a dizer.
Usei aqui este exemplo, mas tantos outros cabem aqui. Um clássico nesta área é o contacto físico com pessoas novas ou mesmo conhecidas, por exemplo na altura de cumprimentar. “Dá um beijinho a esta amiga da mamã, Francisco”, “Ai meu rico menino, dá cá um abracinho à avó”, “Olha o Pai Natal que giro, vai ao colinho dele para tirarmos uma foto” … e por aí adiante. Isto torna-se relevante quando a criança NÃO quer beijar, NÃO quer abraçar e NEM ir ao colo de estranhos.
CLARO que com as melhores intenções o fazemos – afinal apenas queremos uma recordação bonita, apenas queremos que os nossos filhos aprendam a ser sociáveis e bem educados. Acontece que no meio destas boas intenções e do nosso desejo de criar o miúdo mais bem educadinho do bairro, nos esquecemos de ouvir e respeitar os limites e a integridade física e emocional das crianças. E isso é mesmo muito importante! Para a criança se sentir segura.
Há crianças que são mais extrovertidas, adoram abraços e beijos… outras, nem por isso. Não podemos esquecer que as crianças APRENDEM TUDO através do nosso exemplo, por isso: seja bem educado, cumprimente, abrace… seja o modelo de tudo aquilo que quer que o seu filho se torne… e não se preocupe muito mais. Obrigar, forçar, não dá bom resultado. As crianças que sentem os seus limites e integridade muito desrespeitados vão encontrar formas de o demonstrar: gritos, choro, birra, resistência.
Ter controlo sobre o nosso corpo é uma aprendizagem essencial que deve ser transmitida com leveza, respeito e exemplo.
A minha filha Inês, que ADORA beijos, às vezes não quer beijos nenhuns e então nós dizemos “mas Inês, tu adoras beijinhos”, e ela diz “Às vejes xim, às vejes não.” Acho brilhante esta formulação da Inês e uso muito na dinâmica com o irmão, para que aprendam a respeitar-se mutuamente. E mesmo comigo e com o pai, usamos o respeito e o consentimento, para lhe mostrar que sim, é muito bom sabermos comunicar os nossos limites para sentirmos a nossa integridade intacta.
Aposto que reconhecem em como esta é uma competência essencial para um dia mais tarde, esta minha boneca de olhos azuis utilizar, quando for mulher e se eventualmente precisar de dizer um “Não” com segurança e firmeza.
Aprendamos a ser mais gentis, a perguntar aos nossos filhos sobre as coisas que respeitam ao seu corpo, a dar opção quanto ao que querem vestir (falámos sobre opções limitadas no post anterior), quanto à quantidade que querem comer, a deixá-los avaliar se têm frio ou calor. Aprendamos que o contacto físico, mesmo com parentes chegados, deve ter o consentimento das crianças. São crianças, mas são PESSOAS. Que estão diariamente a fazer aprendizagens para o futuro!
Acrescento ainda que quando estão em perigo, quando podem magoar-se a si ou a outros, partir coisas, etc., – sim, provavelmente vão precisar de contenção física – o que pode e deve ser feito com o máximo de RESPEITO E GENTILEZA!