11 Dicas Para Lidar Com Crianças De Espírito Forte – [Nº2] Independência e Responsabilidade

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dica nº 2

*consultar introdução e contexto destas 11 dicas na primeira dica, aqui.

Dica nº 2 – Ser Independente e Assumir Responsabilidades Pessoais

A criança brinca com o copo de leite, na mesa, e nós dizemos:
– Não brinques com isso, olha que cai ao chão e se parte.
A criança, claro, continua a brincar com o copo até que ele cai ao chão, parte-se em mil bocados e derrama todo o leite.
– Eu não te disse que isso se partia, mas que coisa, olha agora toda esta porcaria para limpar, que grande sujeira. Sai já daí para eu limpar isso, olha vai para o quarto, e dá-me cá já o tablet, acaba-se já os jogos e pronto. Nunca tens atenção a nada, pá!

Parece familiar?

Todos os dias, nas pequenas coisas que acontecem, a forma como reagimos e as coisas que dizemos aos nossos filhos vão determinar em grande parte a formação da sua auto-estima, da sua autonomia e responsabilidade futuras.

Todos queremos educar crianças que tenham estas características certo?

Atenção, faço aqui um reparo: promover a autonomia não é de todo o mesmo que dar liberdade total aos miúdos, e a criança nunca poderá fazer o que quer. Crianças sem contenção, que fazem o que lhes apetece, tornam-se pequenos monstros, não queremos isso. As crianças precisam de limites claros sempre que necessário, e de bastante estímulo à autonomia e responsabilização para crescerem equilibradas e com uma auto-estima forte.

Nas crianças “com personalidade forte”, energéticas e desafiantes, é também muito importante trabalhar a autonomia, como forma de reconhecimento, de proporcionar experiências significativas, de permitir mais controlo à criança, de ajudá-la a criar sentido nas suas vivências – o que vai melhorar o seu comportamento.

Muitas vezes as BIRRAS e resistências são precisamente a forma da criança dizer:
– Quero mostrar que sou capaz, quero ser reconhecido, visto, quero ser importante, quero mostrar que consigo.
– Quero aprender coisas novas, quero explorar competências, quero testar os meus limites e conhecer melhor o mundo à minha volta.
– Quero me sentir mais em controlo, quero perceber como se faz e como funciona.
– Quero sentir que pertenço mais à família, que estamos ligados, quero sentir conexão.

Existem uma série de RÓTULOS que arranjamos para as crianças, normalmente muito contraproducentes, como por exemplo o tal dos “terrible two” e “terrific three“, ou seja, em PT, os “terríveis dois anos” e “os terríficos três anos”. Ou por exemplo quando dizemos:
– O meu filho agora está mesmo na “idade das birras”.

Um dia sugeriram-me que trocasse a expressão “idade das birras” por “idade da independência” – e isto tem feito toda a diferença na forma como olho para as crianças.

Muitas das birras com que nos confrontamos são isso mesmo – uma expressão da busca pela autonomia e pela independência. O mostrar que é capaz, que tem valor, que tem capacidade. É a expressão do forte desejo da criança de demonstrar a sua aquisição de capacidades. O querer da criança mostrar a si própria e aos outros que está a crescer.

E nós, pais, muitas vezes, por necessidade (inconsciente) de controlo e de manter em segurança, e de facilitar o desenrolar das rotinas, e por falta de tempo – a verdade é que acabamos por limitar muitas vezes estas demonstrações das crianças (e passam-se situações do género da do copo derramado).

Basta pensarmos um pouco para fazer sentido – se queremos educar crianças autónomas e responsáveis (queremos, certo?), será necessário passar-lhes responsabilidades desde cedo, não é mesmo? De pequenino é que se torce o pepino, já dizia o outro.

Ninguém quer adolescentes que não saibam tomar conta de si, dependentes de nós já adultos, sem saber cozer um ovo ou meter uma máquina de roupa a lavar, certo?

Então há que fazer a ligação entre o presente e o futuro, porque é nas pequenas coisas da infância, no dia a dia, que temos a oportunidade de estimular essa autonomia e responsabilidade.

BEM SEI como pode ser frustrante querer sair de casa já atrasados, e a criança querer naquele momento apertar os atacadores, ou ajudar a levantar a mesa, ou querer se vestir sozinho, ou querer alimentar os animais sozinho, ou algo que apenas nos vai atrasar…

Mas a verdade é que privar constantemente as crianças de realizar tarefas, suas ou da casa, ou simplesmente não lhes dar oportunidade de as experimentarem, provoca nelas uma frustração e um sentimento de incapacidade. Como não se sabem expressar por palavras, é muito provável que comecem a fazer birras.

Lá em casa, tento sempre que posso estimular os meus filhos a participar, a fazer sozinhos, a tomar conta das suas coisas. Às vezes é frustrante para mim, pois muitas vezes eu tenho essa atenção e eles recusam-se, aborrecem-se, pedem ajuda. Depois nos momentos mais inconvenientes é quando querem fazer, ajudar, participar. Não é fácil. Ainda assim, sei que precisam de demonstrar as suas capacidades e de sentir que conseguem sozinhos. Por isso vou fazer o meu maior esforço por reforçar essa sua capacidade, tentativa, vontade de crescer, de aprender.

ENTÃO, O QUE PODEMOS FAZER NA PRÁTICA?

O que nós pais podemos fazer é CONFIAR e deixar as crianças assumir responsabilidade pelas coisas em que podem, efetivamente, assumir responsabilidade.

Confiar significa abrir mão dessas responsabilidades sem julgar, sem comentar, sem avaliar (“Eu já sabia que te ias esquecer de meter os cadernos na mochila, agora trouxeste um recado de falta de material, vês, eu bem te disse”, “isso não é assim, dá cá que eu faço”, e por aí fora).

Há que dar espaço à criança para ganhar essa confiança de assumir a responsabilidade e para experienciar as consequências positivas e negativas das suas escolhas. Acompanhando e orientando, não humilhando, nem manipulando, nem controlando.

UMA CRIANÇA (MUITO ANTES DOS 12 ANOS) PODE/DEVE ASSUMIR RESPONSABILIDADE:

  • pelo que come
  • pela sua roupa (o que vestir, pôr a lavar, ..)
  • pela sua higiene
  • pelo seu quarto
  • pelo corte de cabelo que quer usar
  • pela escolha dos amigos
  • pelos trabalhos de casa
  • pela preparação do lanche para a escola
  • pela preparação da mochila
  • pelos seus pertences
  • pelo seu dinheiro
  • pelas atividades extracurriculares (escolha e preparação de material)
  • por diversas tarefas que fazem parte do dia a dia das família (levantar e pôr a mesa, fazer listas de compras, limpeza, etc.)

Quando temos receio, medo que os nossos filhos caiam, partam o objeto, não comam o suficiente, se esqueçam do trabalho de casa, não tomem banho, percam o telemóvel, deixem o quarto desarrumado, não levem roupa suficiente… Quando ativamos esse medo de perder o controlo e a segurança, quando ficamos preocupados – isso mina a confiança, passa a mensagem de “não confio em ti”, “tenho dúvidas que sejas capaz” – e isso deteriora a autoestima da criança e piora a relação com o adulto. E o comportamento da criança pode ficar muito desafiante.

Porque é que muitos de nós continuam a dar comida à boca, a vesti-los (quando já o conseguem fazer perfeitamente sozinhos), a arrumar-lhes os brinquedos, a dizer para montes de coisas:
– Deixa estar que a mãe faz.
– És muito pequeno.
– Tu se calhar não tens força.
– Tu não chegas aí.
– Tu és muito lento.
– Tu não consegues.
– Tu depois esqueces-te.
– Já fizeste X?
– Estou mesmo a ver que te vais esquecer de Y.
– Etc…

Deixas como esta revelam a nossa preocupação, medos e necessidade de controlo. E a preocupação é inimiga de um saudável desenvolvimento da autonomia, da responsabilidade e da auto-estima da criança.

Então, das duas uma, quando o seu filho brinca com um copo cheio de leite:
OU coloca um limite de forma assertiva – no caso poderia ser retirar o copo, acompanhar mais de perto a criança, trocar de copo, dar outro copo vazio de plástico para brincar, acelerar o lanche para sair da mesa e ir brincar com outra coisa, dar outro brinquedo, etc….
OU então, se não consegue ou não quer na hora tomar nenhuma atitude, mais vale não dizer nada mesmo. E se partir, de que serve um ralhete ou mesmo retirar o tablet ou dar qualquer outro castigo? Serve de nada, pode acreditar (E já agora, quando o seu marido/mulher parte coisas costuma ficar de castigo ou levar ralhetes?).

Nessa situação de copo partido e leite derramado, mais vale dizer:
– Ups, estou a ver que aconteceu um acidente, e agora o que achas que temos de fazer?
E dependendo da idade assim o nível de ajuda, ou vai buscar a pá, ou o rolo de cozinha, ou um pano, ou o que for e em tudo o que for possível a criança vai participar na resolução da situação que ela criou.

E isto aplica-se a muito mais coisas. Como sempre, se tiverem dúvidas sobre situações concretas, deixem nos comentários ou contactem-me por mensagem privada! Terei todo o gosto em esclarecer melhor.


Nunca ajude uma criança numa tarefa que ela sente que consegue fazer”

Maria Montessori (pedagoga, educadora, médica, cujo método educativo que desenvolveu ainda hoje é usado por escolas em todo o mundo)
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Claudia Silva
Claudia Silva
5 anos atrás

Prima, mais uma vez parabens pelo blog, estou a adorar ler cada artigo. ?