Muitas crianças adoram a escola, vibram com aquelas rotinas, ligam-se mais facilmente, pedem para ir, têm uma boa experiência. Mas acontece que muitas outras, pela sua natureza ou pelo contexto de certas circunstâncias, têm dificuldades grandes na adaptação escolar. Hoje em dia sinto que esses casos estão ainda mais complicados de gerir devido à pandemia e a certas medidas que vieram dificultar estes casos. Falo particularmente de muitos pais não poderem entrar nas escolas, o que é ainda mais terrível na situação de uma adaptação escolar difícil.
Pode no entanto haver imensas razões para uma adaptação escolar difícil, e vamos neste artigo abordar algumas dicas que podem ajudar famílias, escola e a criança.
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Antecipar: criar relações antes do início da escola
O ideal é a transição ser bem feita, ou seja, antes efetivamente de a criança começar a frequentar o espaço a tempo inteiro, haver oportunidade de criar relação com o espaço e com os adultos de referência que terá por lá. É exigir muito de uma criança acabada de entrar na escola que fique de repente num espaço onde nunca esteve com pessoas que nunca viu, e deixar a mãe (aflita) ao portão. Na verdade isto é a receita para o fracasso da adaptação. Sendo assim, prevenir o mais possível estabelecendo conexões e uma ponte entre a casa e a escola.
Há crianças que levam mais tempo e precisam de mais pontos de conexão antes de se sentirem seguras na escola e poderem ver aquele como um espaço onde se sentem como em casa. Porque é essa a ideia, certo?
Se a transição entre um ambiente e o outro não foi bem feita ou foi apressada e agora estamos com uma adaptação mal feita, há que avaliar vários fatores.
Uma semana? Um mês?
Não há um tempo específico que seja normal uma criança ter dificuldade na adaptação escolar, cada caso deve ser analisado com atenção. E adaptação difícil não é só chorar muito ou chamar pela mãe. Pode haver crianças que nem choram e estão com imensas dificuldades por dentro. Observando atentamente o comportamento da criança podemos ter informação útil sobre como está ela a lidar com tudo. Em 3 dias podemos encontrar problemas ou podemos apenas passadas umas 3 semanas confirmar que algo não está bem. A quantidade de dias não é aqui tão importante mas sim a cuidadosa observação do comportamento da criança.
É preciso uma aldeia
Sempre importante relembrar que é preciso um enorme trabalho de equipa e comunicação forte entre adultos de referência da escola e de casa. Por vezes com a quantidade de alunos por turma perde-se infelizmente esta possibilidade de atenção mais personalizada, mas ela é crucial. Especialmente em casos mais difíceis, há que promover aproximação entre os vários lados da vida da criança, estabelecer pontes e arranjar estratégias específicas.
Conversas de meio minuto ao portão da escola ou simplesmente trocar um email dificilmente resolve, é preciso um pouco mais de investimento de todas as partes. Nem os pais podem esperar que os professores resolvam sozinhos, nem os professores podem esperar que os pais façam milagres só com conversas em casa.
Falta de segurança e de conexão
As maiores necessidades emocionais em falta numa adaptação escolar difícil são a segurança e a conexão. São duas das necessidades psicológicas humanas básicas e quando não estão asseguradas, podem causar comportamento desafiador e muitas dificuldades na adaptação escolar.
Segurança
Para uma criança se sentir segura, ela tem de perceber que aquele espaço é aceite e conhecido dos pais, que as pessoas com quem fica são da confiança dos pais. A criança pode sentir isto mais facilmente se houver convivência e interação entre os adultos de referência de casa e da escola. Ou seja, deverá haver proximidade, diálogo, porque não lanchar juntos, fazer uma atividade em conjunto, etc. Infelizmente não há muito espaço para isto nas escolas tradicionais, mas os pais e os professores deverão fazer com que isto aconteça, pois estamos a falar no melhor interesse da criança.
A criança também se sentirá mais segura se puder levar elementos securizantes na transição de espaço, por exemplo um boneco especial, uma mantinha, ou a sua chupeta se for o caso, ou um copo especial onde bebe, enfim, algo que lhe transmita sensação de familiaridade.
Os pais podem facilitar ainda mais trabalhando nas emoções a partir de casa, utilizando livros didáticos que falam sobre a ida para a escola, como por exemplo “O monstro das cores vai à escola” . Além de livros podemos trabalhar a questão com brincadeiras que recriem a situação, utilizar os bonecos para vivenciar a escola através do lúdico, com legos, plasticinas, pinypons, enfim, usar a imaginação. Atenção a não ser demasiado impositivo ou insistente nas brincadeiras e no quanto falamos da temática, há que dosear e ter sensibilidade.
Não mentir
Uma das coisas que se faz muito quando a adaptação escolar é muito difícil é enganar a criança, dizendo que a mãe “vai só ali à casa de banho” ou aproveitar quando a criança está distraída para a mãe ir embora. NUNCA, mas NUNCA façam isto. Mentir à criança destrói a sua confiança nos adultos e abala com toda a segurança que estamos a tentar criar. A solução é sempre ser honesto e sincero, e lidar com as emoções que possam advir daí. Se enganamos, a birra é cada dia pior, porque a criança fica muito mais insegura e nunca sabe com o que pode contar.
Conexão
Para que a criança se sinta mais conectada com as pessoas e o espaço, vai precisar que lhe dêem uma atenção mais personalizada. Os adultos de referência na escola deverão esforçar-se por passar algum tempo 1-1, ouvir realmente a criança, perceber os seus sentimentos e pensamentos, receios e anseios.
Será bom criar uma dinâmica própria e especial, por exemplo um cumprimento diferenciado, um sinal que a criança poderá fazer quando se sentir desconfortável, um abraço sentido, enfim qualquer coisa que faça a criança sentir-se ouvida, vista, reconhecida, conectada. Quando sentimos que nos estão a compreender, fica tudo mais fácil. Com as crianças não é diferente.
Teremos de eliminar do discurso todas as formulações que façam a criança sentir que o que sente é inadequado ou menor, por exemplo não convém as docentes e auxiliares dizerem coisas como:
- Não fiques assim, a mãe vem logo buscar
- Olha este brinquedo tão giro
- Vamos ver os meninos, vais ver que te vais divertir
- Etc.
Substituir por formulações que façam a criança entender que ela está a ser compreendida e que pode contar connosco:
- A mãe foi embora e tu agora ficaste triste não é?
- Pois é, às vezes os meninos ficam bastante tristes por terem de ficar longe dos pais umas horas
- Eu quando era pequenina também me custou a primeira vez que fui à escola, ainda me lembro que chorei bastante
- Eu sei que não é a mesma coisa, mas se quiseres o meu colinho, está sempre aqui para ti
- Etc.
Uma comunicação mais empática promove imenso a conexão, esta é uma atitude que vem de dentro, tem de ser uma comunicação autêntica e honesta, estes são meros exemplos, mas cada pessoa tem de comunicar com a sua verdade e o máximo de compreensão pela situação da criança. Interessar-se verdadeiramente por ela e pelas suas emoções. Assim a criança sentir-se-á muito mais acolhida, logo, mais segura e conectada.
Também alguns colegas ou amigos que tenha na escola podem ser uma boa âncora, se houver alguma criança na sala filha de amigos ou conhecidos, ou mesmo que não sejam, mas que possam promover convívio fora da escola também, combinar idas ao parquinho depois da escola, para a criança começar a associar aquelas pessoas na sua vida.
Também ajuda imenso na conexão quando os adultos fazem um esforço por conhecer a fundo aquele ser, os seus gostos, interesses. Do que gosta a criança? Será possível fazer algo alusivo a isso como forma de ela se sentir mais integrada? Com boa vontade tudo se consegue. A ideia é proporcionar experiências ótimas à criança na escola, se ela gosta muito de Hello Kitty, fazer algo com esse tema, deixá-la apresentar algo à turma se ela quiser, temos de pensar em algo divertido e diferente, afinal se queremos conquistar aquela pessoa temos de nos esforçar um bocadinho, não é verdade?
Ajustar rotinas
Por vezes a criança pode estar com dificuldades na adaptação escolar porque as suas rotinas mudaram muito de repente, então podemos observar isto cuidadosamente e fazer alguns ajustes. Lembro-me de uma criança de uma família que acompanhei que estava com muitas dificuldades na adaptação escolar. Quando revimos as rotinas percebi que aquela criança tinha um ritmo diferente, deitava-se um pouco mais tarde e dormia até mais tarde. O estar a acordá-lo e pressionar a rotina matinal estava a dar muito mau resultado.
Após conversa com a educadora, sendo que era possível para a família também, decidiu-se que ele iria acordar mais ao seu ritmo, despachar-se com calma, comer como deve ser, e depois sim ir para a escola após o intervalo da manhã. Rapidamente a criança alterou o seu comportamento e a partir daí foi para a escola mais feliz e emocionalmente regulado.
Ou seja, sempre que possível, ajustar a rotina de acordo com a dinâmica da família e as necessidades da criança. Afinal a escola existe para servir a criança.
Adaptação escolar dos pais
Não é somente a criança que precisará passar por uma adaptação escolar. Os pais também terão uma fase de integração com os outros pais e professores – e é importante estabelecer esse vínculo logo no início. Participar das atividades propostas pela escola, procurar ir aos eventos sociais que acontecerem, ou como já foi referido acima, organizar com outros pais piqueniques ou passeios, como uma ida ao teatro ou ao parque. Lidar com as diferenças e ressaltar a importância do convívio social são boas maneiras de dar o exemplo. E estabelecer esse contato é uma forma de incentivar ainda mais a criança a abrir-se para novas amizades.
Como se sentem os pais?
Com a entrada na escola, muitas vezes são os pais os mais ansiosos e nervosos, pois pode ser um momento muito intenso nas nossas vidas. Então é preciso lembrar que nós somos o exemplo, a bitola, nós somos o elemento regulador de tudo, se estamos nervosos e stressados, isso vai dificultar muito a vida da criança. Há que processar as nossas emoções, resolver as nossas ansiedades e preocupações e procurar estar o mais calmo possível.
Se não consegue manter-se com calma, se tem muitas preocupações com a escola, então deve ao máximo procurar algo que o deixe tranquilo, pense fora da caixa, se calhar há uma alternativa que ainda não pensou. Nós devemos estar o máximo confortáveis com o sítio e as pessoas onde deixamos os nossos filhos. Eles vão sentir todas as nossas vibrações em relação à escola, por isso vale a pena dedicar tempo a refletir nisto.
Se não houver mesmo alternativa, meditar muito no assunto, exercitar a aceitação de que esta é a melhor situação que podemos ter no momento apesar dos seus lados menos bons. Confiar que vamos em casa compensar o que de menos bom possa haver na escola. Ficar atento, participativo, envolvido nas questões escolares. Deixar a criança o menos tempo possível na escola, se for preciso pedir a avós, ou trocar dias de playdates com amigos, por exemplo. Cada um saberá as possibilidades que tem entre mãos.
Aconselho ainda a Oração da Serenidade que ajuda muito nestes momentos:
Finalizando
Nem sempre é prática comum nas escolas respeitar o ritmo das crianças, mas tem de passar a ser. O respeito e observação do seu comportamento e a satisfação das suas necessidades emocionais estão expressas nas leis educativas e nas ciências da educação, por isso temos todo o direito, pais e professores, de exigir condições para que isto possa ser uma realidade.
Então o principal é mesmo isto, respeitar sempre muito o ritmo dela, as emoções dela, não pressionar, evitar uma comunicação que possa ser sentida como crítica ou julgadora ou que a criança possa sentir que não é suficiente.
Deixo ainda a nota de que se já estiver muito a ser feito, se sentirem que mesmo assim a criança continua com um comportamento muito difícil, isso pode ser sinal de algo mais, porque não procurar ajuda das equipas especializadas multidisciplinares como a Intervenção Precoce, por exemplo. Com os técnicos que têm, podem ajudar com estratégias mais específicas ou mesmo diagnosticar alguma situação mais “fora da norma” que possamos não nos ter apercebido ainda.
Espero que este artigo tenha sido útil, qualquer questão não hesitar em entrar em contacto comigo! 🙂