Hoje de manhã, enquanto me penteava na casa de banho, a minha filhota de 3 anos observava-me da porta. Quando acabei, perguntei-lhe, “então estou gira?”. Ela acenou que sim com entusiasmo, ficou pensativa e passado uns bons segundos acrescentou: “mas às vejes não góto de ti, puque tu guitas comigo”. Está a olhar-me séria nos olhos.
WOW. What? De onde é que isto veio agora? Até temos estado a ter uma manhã tão tranquila!…
Viro os olhos para o espelho, um pouco envergonhada, enquanto termino o meu penteado. Olho-me nos olhos. O que posso dizer? É verdade, eu grito com ela. E ela não gosta de mim nesses momentos, como é normal. E está a dizer-mo com todas as palavras. “Pois grito, filha”, disse-lhe eu. “Desculpa. Desculpa-me por favor. Juro que estou a trabalhar muito arduamente nesse assunto.”
Estou muito bonita, sim senhor, mas não há penteado que me valha se eu não conseguir tomar conta das minhas atitudes e não conseguir manter-me serena nos momentos em que disciplino os meus filhos. É verdade que já gritei mais, que já estou melhor, mas este processo está a levar o seu tempo… E a minha filha ainda ouve muitos gritos meus, dirigidos a ela e a outras pessoas… E continuam a impactá-la de forma negativa, como é de esperar.
Poderia dizer que sou assim, sou uma “mãe gritona”, expressão que ouvi algures. Mas tenho decidido mudar esta frase. Isso não é o que eu sou. Não é mesmo. Às vezes eu grito, sim, demasiadas vezes eu grito. Sim, ando cansada, durmo mal há anos, ter filhos é esgotante e todos somos humanos e não há ninguém perfeito que esteja sempre calmo e com um sorriso, isso nem seria normal. No entanto penso que seja uma irresponsabilidade esconder-me atrás desses argumentos para justificar a quantidade de vezes que perco a paciência e me irrito. O bom senso diz-me que têm sido vezes a mais. Eu fico a sentir-me mesmo mal quando ajo assim e quero muito conseguir controlar mais as minhas ações. Não pretendo a perfeição, ninguém deveria pretender, e logo eu, que tenho as emoções à flor da pele e sou muito expressiva, será sempre fácil ver quando estou chateada! No entanto tenho absolutamente de controlar mais os meus ímpetos, reduzir a minha reatividade a coisas que afinal, são só coisas comuns do quotidiano com crianças. Eu quero dizer mais vezes o que tenho a dizer, mas de forma assertiva.
Desde que estudo e trabalho na área das relações parentais, a consciência destas situações aguçou-se tremendamente, a perspetiva é muito diferente, e nem por isso é mais fácil controlar a reação. Uma coisa é termos o conhecimento, outra coisa é controlar a maneira como nos comportamos. Neste ponto tem sido muito interessante os estudos que tenho feito sobre os comportamentos, nomeadamente os meus comportamentos, percebê-los, para conseguir modificá-los.
Sabendo que os comportamentos derivam das nossas emoções, que por sua vez derivam dos nossos pensamentos, que por sua vez derivam dos estímulos que recebemos combinados com todos os nossos filtros, crenças, que foram criados pelas nossas experiências, vivências, educação, etc. – bem, podemos ver que é algo complexo então conseguir alterar os meus comportamentos. Como por exemplo, o comportamento que tenho quando passo rapidamente para um estado de irritação que me leva a abrir os olhos e levantar a voz e esbracejar, quando os meus filhos começam a discutir, gritar e bater-se por causa de um qualquer objeto que os dois querem ao mesmo tempo… Enfim, tudo isto tem-me consumido horas de reflexão e atenção, e também de algumas práticas para passar à ação e conseguir, enfim, alguns resultados neste meu processo.
Às vezes coloco em dúvida a minha legitimidade para falar sobre práticas parentais, para dar workshops e fazer os meus acompanhamentos (e digo-o às mães e famílias com quem trabalho, mesmo), dado que eu própria estou num caminho de aprendizagem e tantas vezes ainda me desvio da minha intenção. Muitas vezes envergonho-me das minhas atitudes como mãe, sinto que isso coloca em causa a minha idoneidade profissional. E por vezes isso é um bloqueio para mim, na minha criatividade, no meu trabalho, nas minhas iniciativas.
Mas depois, a verdade é que muitas vezes grito, mas muitas vezes já consigo também falar calmamente. Muitas vezes já consigo encontrar o espaço para não reagir da pior forma, muitas vezes já consigo discernir o melhor comportamento a ter, face aos comportamentos dos meus filhos. Consigo gerir as situações de forma calma e eficaz, consigo acolher as emoções dos meus filhos sem que haja um terramoto nas minhas próprias emoções. Consigo olhar para eles como as crianças que são, com a sua impulsividade, imaturidade, com a sua forma muito própria de explorar e testar o mundo à sua volta. Afinal, eles estão só a crescer.
Muitos destes bons momentos aparecem instintivamente, ou seja, estou naturalmente calma, criativa e cheia de recursos para responder aos meus filhos da melhor forma. E muitos outros dos bons momentos são fabricados por mim. São pensados, são refletidos. São aqueles momentos em que consigo parar antes de agir, em que consigo já criar um espaço entre a minha emoção e a minha reação. Se isto consigo, foi sem dúvida ao que tenho aprendido, praticado, ensinado com a Parentalidade Consciente, e também com a integração do Mindfulness na minha vida. Práticas consistentes de autorregulação, como sessões de respiração, relaxamento, meditação ou como lhe queiram chamar, têm-se revelado essenciais para o meu controlo mental, emocional, comportamental. E claro, o estudo, as leituras, as experiências que faço diariamente na área da parentalidade e das relações entre adultos e crianças.
E é ver estes momentos a aumentar, ver resultados no meu auto-controlo, que me tem dado imensa “pica” para continuar a trabalhar nesta área. Para continuar a falar sobre isto, a sensibilizar para uma abordagem mais consciente na educação das nossas crianças. Porque eu vejo resultados muito diferentes no comportamento dos meus filhos, quando o meu próprio comportamento está dominado. Eles não discutem tanto um com o outro quando eu ando mais calma. Eles são mais cooperantes quando eu consigo ser mais a mãe que eu quero ser.
Não que estivesse esquecida, mas a minha filha hoje, enquanto me penteava, fez-me o seu lembrete poderoso de que posso e tenho de fazer muito mais e melhor. Obrigada, minha doce menina!