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As notas escolares são uma preocupação?
Fica apreensivo com as notas dos seus filhos? Suponho que se interesse e se preocupe um pouco com esse assunto… é óbvio que queremos acompanhar o progresso deles na escola, e assegurar que vão cumprindo os objetivos. Mas até que ponto os resultados escolares são motivo de ansiedade na família? Anda atento com os testes, pressiona os seus filhos para estudar? Retira privilégios se não atingem certos objetivos? O que sente como pai ou mãe, com a possibilidade de o seu filho chumbar de ano ou ter notas realmente baixas? Ou por outro lado, como se sente quando seu filho tem notas bastante boas? O que significa isso, o que significa a nossa reatividade às notas? O que significam as notas?
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Há poucos dias saiu mais uma peça nos media, para somar a inúmeros artigos, Ted Talks e reportagens, que nos falam de estudos científicos sobre as consequências da forma como estamos a educar as crianças. Desta vez uma reportagem na SIC Notícias: “Em nome dos pais, dos filhos e do espírito livre“. Pode ver aqui. Vários especialistas e investigadores, com evidências científicas, advertem: as crianças precisam de brincar mais, de correr mais riscos, de movimentar mais o corpo porque isso é ESSENCIAL para estimular o cérebro e preparar as aprendizagens. Enquanto via a reportagem pensei nos espaços da escola onde o meu filho provavelmente irá iniciar o primeiro ciclo, agora em Setembro, bem como em tantas outras escolas no nosso país.
Muitas escolas (e famílias) continuam a “aprisionar” as suas crianças, não só física como psicologicamente, sem terem, muitas vezes, qualquer intenção de o fazer. Este é um assunto muito interessante e pertinente. Infelizmente, escreve-se e fala-se mais do que se age, e embora haja inúmeros estudos, reportagens e EVIDÊNCIA, muitas escolas continuam a milhas do que deveriam ser, quer em termos de espaço físico, de perfil dos recursos humanos, da abordagem pedagógica e cultura educativa, do tipo de estímulo proporcionado, enfim…
No meio disto tudo, o que valem as notas escolares?
Bem, eu não consigo pensar em notas de testes isoladamente. Quando olho para a big picture, as notas deixam de fazer sentido. Começo, antes de mais, a questionar: o que prova um teste, um exame? Não prova nada. Eu fiz imensos testes e exames com ótimas notas e já não sei nada daquilo que escrevi, calculei e etc. Não sei fazer uma raiz quadrada sequer. Nem me lembro de nenhuma fórmula química. Esqueci muitos episódios da História e nem sei dizer as dinastias. Já não me lembro do que fala o livro “Aparição” que jaz na minha estante desde o 12º ano. Só para dar alguns exemplos. E porque é que isto acontece? Simples, porque as aprendizagens não tiveram significado, não estavam ligadas a emoções e contexto.
Então, em vez de me sentir preocupada com as notas das crianças, prefiro perguntar-me: será que é tempo de questionar o sistema das escolas nos dias que correm? Será que as escolas estão a ter em conta as verdadeiras necessidades das crianças? Será que um monte de projetos e atividades não estarão apenas a mascarar uma estrutura que merece ser mais profundamente reconsiderada?
Se pensarmos nisso, muitos alunos “não aprendem”. Facto. Continua a haver chumbos e negativas. Só isso deveria chegar para repensar as coisas. Muito pior: abundam notícias constantes nos media que nos alertam para problemas emergentes: o burn-out dos professores; problemas com comportamentos, indisciplina, desmotivação dos jovens; uso abusivo de tecnologias; bullying; o disparo de diagnósticos de doença mental em crianças e jovens, temos o suicídio entre as maiores causas de morte de adolescentes no mundo. Então, afinal, o que se passa? É esta a escola que dizem que está a funcionar? Não podemos estar a falar do mesmo! Os casos de sucesso não podem fazer-nos ignorar todos os problemas que existem.
No meio disto tudo, que importância tem realmente uma nota de uma prova ou teste? Os problemas sociais complexificam-se a cada dia. Olhando aos gráficos, parece mesmo que temos de fazer um melhor trabalho a educar as próximas gerações. Então por onde vamos começar? Porque não questionando a existência de provas e testes?
É um bom momento para pensar
Acabou recentemente o ano letivo, e como é tempo das tais notas, avaliações e exames fala-se mais disso do que de costume. As redes sociais burburinham com opiniões nos artigos e nos grupos de mães. Para muitos parece ser a única coisa que importa em todo o processo educativo dos filhos, tal é nesta altura a preocupação, ansiedade… e a quantidade de miúdos com dores de barriga. ?♀️
Aproveitemos então a preocupação com as notas para colocar tudo em perspetiva. Quanto à avaliação propriamente dita: o que lhe interessa afinal como mãe ou pai? Provavelmente interessa-lhe as notas no sentido em que quer saber se o seu filho está a aprender, certo? Suponho que queira saber se está tudo bem na escola, se ele está a atingir os objetivos. Poderá mesmo querer assegurar-se que ele é o melhor, dos melhores pelo menos. (embora lhe diga um segredo, as comparações são veneno para a autoestima – e todo o sistema de notas é isso mesmo, uma tabela de classificação e comparação).
Para mim, enquanto mãe, uma das minhas principais intenções é assegurar que os meus filhos se saiam bem, quero dizer, que sejam bem sucedidos, bem adaptados e ajustados à sociedade. Ao mesmo tempo, que saibam pensar por si, que tenham valores decentes e sejam boas pessoas. Que sejam criativos, produtivos, no elemento que os fizer sentir bem sem magoar ninguém.
Talvez por associarmos as notas escolares a conceitos como sucesso, aprendizagem, conquista, elas se tornaram tão importantes. Atrevo-me a sugerir que tentemos quebrar essa forte associação e crença. Está na hora de questionarmos o verdadeiro valor das notas.
Então, o que posso fazer? 3 pistas para pais preocupados.
Se está realmente interessado em orientar e educar da melhor forma o seu filho, então digo-lhe que há muitas e variadas estratégias (além de testes) de saber se ele está a “sair-se bem”, ou seja se está a aprender e a evoluir. Como pais temos de verificar se as escolas funcionam com base no melhor interesse das crianças (newsflash, muitas vezes isso não acontece). Muitas escolas no nosso país já começaram a implementar sistemas de aprendizagem que pretendem abolir (ou já aboliram) testes e provas, entre outras práticas obsoletas. Um bom exemplo é a Escola Básica da Várzea de Sintra, escola pública. Pode ver a sua página de Facebook aqui e uma reportagem sobre a escola aqui. Portanto, existe, é possível e funciona.
Se continua algo perdido e com dúvidas relativamente aos seus sentimentos pela dinâmica escola-criança-família, tenha em atenção estas 3 pistas de reflexão e use-as como ponto de partida para reavaliar e situar a situação da sua família e a educação dos seus filhos.
1. INTENÇÃO
Como sempre, tudo começa na intenção. O que é que nós pretendemos como pais, o que é mais importante para nós? Talvez se pensarmos bem, o mais importante seja fortalecermos a relação com os nossos filhos, fazer dela uma relação de qualidade. O que queremos que os nossos filhos lembrem e relatem quando tiverem 30 ou 40 anos? Queremos que lembrem com carinho da relação que tinham connosco ou que as suas memórias sejam, por exemplo, de insistências e reprimendas relativamente aos seus resultados escolares?
Reflita profundamente sobre qual a sua intenção de fundo ao querer que ele tenha boas notas? Será que consegue trabalhar essas intenções por outras vias que não as notas dos testes e de final de ano? E qual a sua intenção para os resultados do seu filho quanto à vida em geral e não só às matérias curriculares? Como gostaria que ele se saísse no campo das relações interpessoais? Quanto ao seu nível de satisfação pessoal em adulto, o seu sentido de responsabilidade? E a felicidade, e a empatia, e o sentido de justiça, e a valorização de outros saberes, gostos, habilidades?
Em cada situação de conflito ou dúvida com o tema “escola”, questione-se sobre o que é mais importante, e tenho a certeza que saberá o que fazer.
2. PRESENÇA
Sem dúvida repensar a sua PRESENÇA é um ponto essencial para quem quer estar atento às notas e ao sucesso educativo dos seus filhos (que abrange tanto mais que notas).
É essencial que passe momentos de qualidade com os seus filhos. Ouça o que eles têm para dizer com atenção. Ou seja, dedique mais da sua atenção plena ao seu filho, ofereça-lhe a sua presença consciente regularmente. Deixe o telefone noutra divisão, esqueça o que vai fazer de acompanhamento aos bifes, ignore os emails por responder. Essas coisas não se vão fazer agora, por isso mais vale aproveitar os minutos… Aproveite enquanto o seu filho quer passar tempo consigo e acha que você é cool ?. Esteja atento aos pormenores. Fale menos, observe mais. Intervenha menos nas brincadeiras, ou em como ele deveria estar a brincar. Reaja menos, reconheça mais.
Um bónus direto é que vai deixar de se preocupar tanto, porque estando mais presente, ganha mais controlo, e sente mais segurança. Está mais participativo da avaliação contínua da sua criança. Vai perceber por si muita coisa, sem precisar de um quadro de avaliações da educadora ou da professora. Vai nutrir o seu instinto de mãe/pai, que já é um excelente filtro para avaliar qualquer criança.
E claro, marque também presença no percurso escolar: vá à escola, interesse-se pelos espaços, pelas pessoas – são elas que passam o dia com o seu filho. Passe tempo com eles nos seus espaços e seja participativo. (Eu desconfio de escolas que me querem manter à distância). Mantenha a sua mente curiosa sobre métodos, práticas e resultados. Conheça os amigos do seu filho, fale com eles, perceba porque gostam de brincar juntos. Quem sabe os pode convidar para um lanche na sua casa. Leia o projeto educativo da escola e outros documentos orientadores e confronte a sua execução. Observe as práticas. Procure perceber qual a abordagem pedagógica dos professores. Quem sabe possa participar na associação de pais.
Por muito ocupados que andemos, não podemos ver a escola como um depósito das nossas crianças… nem entramos para lá do portão, e depois admiramo-nos quando existem problemas. Resumindo, fique atento, acompanhe o mais possível, envolva-se. Queira-se envolver! Tem interesse de verdade?
CONFIANÇA
Não podemos esquecer da importante atitude mindful que é a CONFIANÇA. Confie que vai tudo correr bem. Evite o excesso de preocupação. Pais ansiosos criam crianças ansiosas. Pais stressados criam crianças stressadas. A preocupação é um veneno que mina as relações entre si e os seus filhos. Para passar autonomia aos nossos filhos temos que abdicar do controlo e confiar nas capacidades das crianças, porque na verdade, elas são bastante capazes.
Confie que quando surgir algo menos bom, vai arranjar uma forma de resolver a situação, pois como no velho dito, “só não há solução para a morte”. Se vai haver momentos difíceis e de sofrimento e angústia, na sua vida, na sua relação com marido, filhos, no seu quotidiano? Claro que sim, chama-se viver, e o melhor é arranjar mecanismos para lidar com todo o tipo de situações. Confie em si e nas suas emoções e instintos em cada momento. Confie na impermanência, pois as coisas estão sempre a mudar e cada coisa é o que é, em cada momento. Vá confiando nos acontecimentos, porque senão vai viver sempre com medo e assim vai criar uma criança com medo da vida, não se esqueça! Eles aprendem a SER muito através de nós!
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Então, no fim de tudo isto, convido-o realmente a colocar as coisas em perspetiva. Estamos a falar de educar pessoas adaptadas aos desafios do seu tempo. Aposte na vossa relação como factor estabilizador e elemento de segurança para o seu filho. Se tiver isto controlado, acredite que tudo o resto se vai compor. Ele vai ser feliz. Assim lhe seja dado espaço para crescer em segurança e liberdade. Se forem trabalhados os valores a par e passo do desenvolvimento cognitivo e intelectual, tudo correrá bem.
Afinal, qual o valor de uma nota, seja ela boa ou má?