Há uns dias postei no Instagram um reels sobre a ineficácia dos castigos. Dois dias depois abri uma caixinha de perguntas que questionava quais as alternativas que temos, já que os castigos são desaconselhados como método educativo. Recebi muitas respostas interessantes. Desde então tenho recebido várias mensagens e comentários a falar sobre essas alternativas, com questões sobre consequências vs castigos, sobre a importância de ter calma e falar com a criança e tal…
Muito se fala sobre isto de conversar com a criança, como uma das soluções que as pessoas mais procuram como alternativa ao castigo. Claro que acho importante o diálogo (super importante) mas neste artigo vou-te explicar o porquê de não ver a “conversa” como a principal alternativa, achando eu mesmo que muitas das vezes não serve de nada.
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Os “maus” comportamentos
Todas as crianças num momento ou noutro têm comportamentos que nós adultos consideramos desadequados. Batem, mordem, mentem, ignoram-nos, são agressivos, rudes, não arrumam as coisas, não querem fazer os tpc’s, you name it…
Sempre que uma criança se “porta mal” a nossa tendência, como é óbvio, será tentar ensinar-lhe o correto, fazer a criança perceber que não pode fazer aquilo e por aí fora. Neste meu trabalho como educadora parental (e também no meu papel de mãe) tenho-me apercebido que muitas das nossas tentativas são frustradas.
Primeiro falha-nos o entendimento primordial do porquê e da causa atrás dos comportamentos. Quem segue o meu trabalho já me ouviu dizer inúmeras vezes a mesma coisa: todos os comportamentos expressam algo, comunicam algo, normalmente uma necessidade não satisfeita. Existem necessidades físicas e psicológicas. Exemplo, se uma criança não dormiu suficiente ou está cansada, o seu comportamento vai ficar mais impertinente. Essa é uma necessidade física.
Mais complexas de compreender poderão ser por vezes as necessidades psicológicas. Mas isso fica para um outro post. (ou podes agendar uma sessão de atendimento comigo AQUI se queres uma ajuda personalizada para interpretar os comportamentos da tua criança).
É por isto que costumo dizer que não há “maus” comportamentos (e meto entre aspas). Todos os comportamentos existem para passar uma mensagem, especialmente no caso das crianças, que são imaturas e não sabem se expressar corretamente. Então começa aqui a nossa solução: ativar o olhar de detetive para entender o comportamento desadequado.
Que soluções?
Se temos uma abordagem mais tradicional de parentalidade, provavelmente experimentamos castigos, sermões, ameaças, ralhetes, punições, ou até mesmo recompensas, na tentativa de controlar aquele comportamento. O que se observa é que estas estratégias são boas no curto prazo. Por norma o comportamento regressa e às vezes ainda mais intenso. Foi precisamente isso que abordei no tal reels – podes ver AQUI.
Se já te interessaste pelo mundo da Parentalidade Consciente e Disciplina Positiva, já percebeste que existem outras formas. Ou talvez já tivesses esse instinto dentro de ti de educar de forma mais respeitosa. É aqui que entram por vezes algumas dificuldades. Não queremos aplicar as velhas estratégias tradicionais, daí o monte de respostas que obtive sobre alternativas ao castigo:
- conversar com a criança
- falar com calma
- tentar explicar-lhe
- fazer que perceba que o fez não está correto
- etc.
Todas estas soluções que muitas pessoas me apresentaram, levaram-me a pensar que realmente à falta de melhores ferramentas, e não querendo cair em velhos padrões, tentamos ir lá pela conversa.
Atenção, um disclaimer importante: eu acho que o diálogo é excelente, importante, necessário. Apenas digo que muitas vezes é inútil. Confuso? Vou explicar:
O cérebro da criança
Dialogar é algo que exige uma determinada maturidade e desenvolvimento do nosso córtex pré-frontal, ´área do cérebro responsável pelas funções mais racionais e analíticas, de ponderação, de planeamento, de pensar em consequências, prever o futuro, agir racionalmente e com lógica, etc.
Ou seja, quando achamos que estamos a ter aquela conversa muito esclarecedora, metade daquilo não consegue ser interiorizado da forma que nós idealizamos, simplesmente devido à imaturidade do cérebro infantil. Racionalizar é algo mesmo dos adultos e nós esquecemos frequentemente que a criança simplesmente até pode entender, mas não será concerteza essa conversa só por si que a fará parar o comportamento.
Como tudo o que eu digo e escrevo, isto não será 100% verdade, e há situações e idades que uma boa conversa ajuda e muito. Por falar em idades, quanto mais pequenas as crianças menos a conversa funciona. Por causa do tal amadurecimento do cérebro. Sabias que apenas por volta dos 25 anos o cérebro está completamente formado? Claro que com 7, 8, 9 anos por exemplo obviamente que já entendem muita coisa. Mas daí até assimilar toda a informação, utilizá-la de forma consciente para decidir sobre ações futuras, e mais, controlar o impulso, que é uma habilidade comportamental muito complexa, vai um grande passo.
E também o querer saber o porquê
Muitas destas conversas com os miúdos incidem também sobre “mas porquê é que te estás a comportar assim?”, “mas porque é que bateste no teu irmão”… E esta é outra coisa que a maioria das vezes as crianças não sabem mesmo responder. Elas comportam-se por impulso, lá está, e respondendo a um instinto que vem das entranhas e que elas não fazem a mínima ideia do porquê.
Já vimos que nem os adultos muitas vezes conseguem identificar as necessidades psicológicas por trás do comportamento, quanto mais as crianças. Elas apenas sabem que se sentem mal, que falta algo (necessidade psicológica por satisfazer) e isso leva a que tenham comportamentos que não sabem explicar porque os têm. Descobrir esses motivos é um papel muito mais do adulto do que da criança.
Então, não vale a pena conversar?
Como venho a dizer ao longo do post, sim, claro que vale. Em crianças mais pequenas, frases curtas e objetivas. À medida que crescem, podemos sempre apostar no diálogo. Mas refreia as expectativas, porque como expliquei, pela imaturidade do cérebro, a criança até pode entender o conceito que falas com ela, mas se as necessidades primordiais por trás do comportamento não estiverem atendidas, esse comportamento continuará a repetir-se. E muito provavelmente ela não saberá explicar porquê.
Vale a pena apostar em estratégias educativas mais consistentes, como comunicar limites claros e sensatos, aplicar consequências naturais e conscientes, realizar sessões de resolução de problemas, fazer acordos (podes ver como fazer acordos AQUI) e muito mais.
Se sentes que precisas de ajuda para algumas destas estratégias, entra em contacto comigo e veremos uma solução! 🙂
Espero que este post tenha ajudado a perceber porque é por vezes conversar não é suficiente para que a criança mude os comportamentos.