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Irmãos para que vos quero
Com pena minha, cresci sem irmãos até aos meus dez anos. Só aí nasceu a minha irmã, cuja chegada senti como uma bênção. Ela era um anjinho loiro de olhos azuis que me adorava, e tive o prazer de acompanhar o seu crescimento e participar na sua educação. Tragicamente, uma doença terrível levou a minha irmã deste mundo quando ela tinha apenas 11 anos, e fiquei condenada a ser filha única, de novo e para sempre.
À parte a tristeza desta minha história, ela marcou a minha vida e em grande parte moldou a minha crença de que eu não queria ter filhos únicos. Se possível, queria vários filhos, para terem muitos irmãos. Achava que seriam mais felizes se se tivessem uns aos outros para brincar, acompanhar, em pequenos e pela vida fora. Alimentei uma crença de que irmãos são automaticamente amigos. Uma família grande, muito apoio.
Entretanto a vida aconteceu e… tenho 2 filhos. E não penso ter mais, pelo menos por enquanto. (Eles foram e ainda são um terror para dormir, e são tããão barulhentos e dão mil vezes mais trabalho do que imaginei. Então sim, acho que vão ficar só os dois mesmo! ?) Continuo a ficar com alguma pena de não ter “casa cheia” – mas também já percebi que muitos irmãos não é significado direto de união ou amizade. Embora continue a acreditar, lá no fundo, que no que toca a irmãos, mais é melhor. ??
Mas é verdade que ao longo da vida tenho-me deparado com situações que me deixam a pensar… Histórias de famílias cheias de problemas, irmãos que se dão mal, vidas apartadas, pouco suporte, e conflito em vez de união. Enquanto os irmãos crescem, as relações moldam-se. Ouço tantos, mas tantos pais a queixar-se que as suas crianças passam a vida à luta, insultos, implicâncias diversas. Empurrões, chamar nomes, pegas por tudo e por nada.
Soa-vos familiar? Têm disto na vossa casa?
“Não batas na tua irmã” e “Deixa o teu irmão em paz” parecem ser das frases mais recorrentes em casas com mais do que um filho. Então, fico preocupada – será que eu, como mãe, tenho alguma responsabilidade no tipo de relação que os meus filhos estão a desenvolver? Obviamente que sim! Porque se por um lado é normal muitos dos comportamentos que vemos, não quer dizer que não tenhamos de os gerir de certa maneira. De modo a que possamos obter os melhores resultados na nossa missão: criar irmãos amigos, unidos, que se apoiem e ajudem. Fomentar boas relações, no fundo!
Irmãos e as suas relações de amor-ódio
Os meus filhos têm 4 e 7 anos. Oscilam entre ser os melhores amigos do mundo (normalmente quando conspiram para alguma asneira) e os piores inimigos, chega a meter ódio, traições e mentiras. E brigas. Muitas brigas. Uma BOA parte do meu tempo como mãe é a mediar conflitos entre os meus filhos.
Resta-me então a mim, como mãe, perceber o que posso fazer para mediar o melhor possível esta relação, e garantir que ambos os meus filhos se sentem amados, reconhecidos, e que não sintam a presença do seu irmão como uma ameaça. Porque tem muito a ver com isso, os comportamentos hostis. Tem muito a ver com sentimentos de medo e ameaça que as crianças sentem quando têm irmãos. Comecei assim há algum tempo a procurar recursos para lidar com os meus filhos e as suas lutas, e a sua relação fraternal.
Quando ouvi pela primeira vez o audiobook do livro “Irmãos sem ciúmes”, várias luzes se acenderam em relação à forma como eu estava a lidar com os meus filhos. Alguns conceitos eu já conhecia e praticava, mas algumas perspetivas vieram mesmo revolucionar a maneira como reajo a certos comportamentos dos meus filhos.
Porque brigam tanto os irmãos?
Porque é que algumas crianças conseguem ter atitudes tão mázinhas umas com as outras? Dizem que odeiam os irmãos, não emprestam brinquedos, batem, puxam os cabelos à bebé, metem os dedos nos olhos, chamam nomes… o rol de queixas diário “ele fez-me isto”, “ela fez-me aquilo”, “ele disse cozido”, “ela disse assado” consegue dar conta da cabeça do pai mais paciente.
A rivalidade entre irmãos é uma coisa natural, pois afinal o amor, presença e atenção dos pais é a coisa mais valiosa que uma criança tem. Os irmãos representam altas ameaças a esses valores. São roubadores de tempo dos pais, são utilizadores do seu amor, ávidos consumidores da sua atenção. Assim, ao longo do crescimento com irmãos, as crianças tendem a oscilar entre sentimentos de grande amizade, amor e companheirismo e ao mesmo tempo sentimentos de rivalidade, ciúme e muitos receios.
Nós temos uma boa intenção, de promover um bom relacionamento e fazer com que eles sejam amigos:
“Vá, tens de ser amigo do teu irmão, empresta-lhe lá os teus lápis, nem estás a usar!”
“Eu nem acredito que estou a ouvir dizeres isso da tua irmã, e ela que gosta tanto de ti!”
Mas a boa intenção infelizmente perde-se no processo, logo no momento em que rejeitamos ouvir as emoções que os nossos filhos sentem em relação aos irmãos. Esse tipo de emoções vão existir em toda e qualquer criança que tenha irmãos e por muito que nos custe, deveremos em primeiro lugar ouvir com muita abertura e sem julgamento as emoções que os nossos filhos têm em relação aos seus irmãos.
O que podemos fazer como pais?
A verdade é que quanto mais fecharmos a porta à expressão destas emoções “negativas”, mais elas podem reaparecer em forma de explosões de raiva, frustração, ironia, agressividade, etc. Cabe-nos a nós, pais, observar esses comportamentos, aproveitar cada oportunidade que consigamos para mediar a relação entre os filhos. Ensinar valores, aquilo que todos queremos que as crianças tenham! Garantir que damos a cada filho muito amor, o máximo tempo individual possível, afirmação do seu valor único e insubstituível no seio da família.
Custa muito ouvir dizer “Eu detesto o bebé!” ou “A mana é estúpida!” mas na verdade estas manifestações não devem ser reprimidas, mas sim canalizadas, processadas, orientadas. Em vez de respondermos “Ah, não detestas nada, ele é tão pequenino, olha lá tão fofinho, é o teu mano.”, ou “Não se diz isso da mana, não te quero a chamar nomes!”, podemos optar por versões que vão mais no sentido de reconhecer o sentimento presente: “Sentes-te mesmo muito irritado com o bebé, agora.“, ou “Parece que a mana fez algo que te deixou muito zangado.“. Como sempre, importa muito ser empático e autêntico. Coloque-se mesmo no lugar do seu filho.
NA PRÁTICA
Deixo aqui alguns exemplos retirados do livro que citei acima. São 4 formas que temos de ouvir melhor os nossos filhos e começar a aplacar os seus sentimentos mais negativos, apenas por nos dispormos a ouvi-los.
1. Em vez de rejeitar os sentimentos negativos por um irmão, reconheça os sentimentos.
Em vez de:
Filho: “Tu estás sempre com a bebé!!”
Mãe: “Não estou nada, não acabei de ler para ti?”
Coloque os sentimentos em palavras:
Mãe: “Não gostas que eu passe tanto tempo com ela.”
Filho: “Não…”
Em vez de:
Filho: “Mãe, o João disse que eu pareço um idiota!”
Mãe: “Oh, ignora-o…”
Coloque os sentimentos em palavras:
Mãe: “Um comentário desses podia deixar-te louco!”
Filho: “E deixou!”
Em vez de:
Filha: “Ele faz de propósito! Ele só arrota quando estou por perto.”
Mãe: “Grande coisa…”
Coloque os sentimentos em palavras:
Mãe: “Tu achas que ele faz isso só para te irritar.”
Filha: “Exatamente!”
2. Dê às crianças em fantasia o que elas não podem ter na realidade.
Em vez de:
Filho: “Manda a bebé embora”
Mãe: “Tu não estás a dizer isso a sério, sabes que gostas dela!”
Expresse o que a criança poderá desejar:
Mãe: “Tu não a queres aqui. Às vezes gostavas que ela se fosse embora.”
Em vez de:
Filha: “Eu ouvi-o a rir-se de mim com os amigos dele..”
Mãe: “E depois? Deixa lá, os rapazes são assim…”
Expresse o que a criança poderá desejar:
Mãe: “Isso magoou os teus sentimentos. Tu gostavas que ele mostrasse alguma lealdade à sua irmã.”
Em vez de:
Filha: “Ele decide sempre tocar bateria quando estou a fazer os trabalhos de casa.”
Mãe: “Tem calma e fecha a porta.”
Expresse o que a criança poderá desejar:
Mãe: “Isso pode ser irritante. Gostavas que ele te avisasse antes de começar a tocar.”
3. Ajude as crianças a transformar os seus sentimentos hostis em posições simbólicas ou criativas.
Em vez de:
Mãe: “O que é que estás a tentar fazer, partir o braço ao bebé? Que menino mau!”
Estimule a expressão criativa:
Mãe: “Não se magoa a mana. Podes mostrar-me os teus sentimentos com a tua boneca.”
Em vez de:
Filha: “Ela é má, nunca me deixa ir com ela!”
Mãe: “Pára de choramingar, sabes bem que ela não quer uma irmã infantil atrás dela.”
Estimule a expressão criativa:
Mãe: “Não é divertido ser deixado para trás. Queres fazer-me um desenho sobre o que estás a sentir?”
Em vez de:
Filha: “Olha o que ela fez à minha blusa! Gostava de lhe tirar uma e rasgá-la toda!”
Mãe: “Isso é doentio!”
Estimule a expressão criativa:
Mãe: “Eu acho que a tua irmã precisa de saber como estás enfurecida. Por escrito.”
4. Pare o comportamento agressivo. Mostre como os sentimentos furiosos podem ser resolvidos de forma segura. Evite atacar o atacante.
Em vez de:
Mãe: “Que coisa tão feia de se fazer à bebé! Ela só tocou nos teus blocos!”
Mostre melhores maneiras de expressar a raiva:
Mãe: “Não há murros! Diz à mana como estás furioso com palavras e não com socos!”
Filho: “Fica longe dos meus blocos!”
Em vez de:
Filho: “Tu roubaste-me uma moeda, seu ladrão sujo!”
Mãe: “Isso é uma coisa horrível de se chamar ao teu irmão!”
Mostre melhores maneiras de expressar a raiva:
Mãe: “Pareces estar furioso! Mas espero que confrontes o teu irmão sem lhe chamar nomes.”
Filho: “Espero que não ponhas as tuas mãos no meu dinheiro!”
Em vez de:
Filha: “O porco guloso comeu todas as bolachas!”
Mãe: “Tu fizeste-lhe o mesmo!”
Mostre melhores maneiras de expressar a raiva:
Mãe: “Em vez de lhe chamares nomes, diz-lhe como te sentes ou o que desejavas.”
Filha: “Não aceito que tenhas tirado todas as bolachas. Gostava que tivesses deixado algumas para mim.”
Espero que tenha encontrado aqui ajuda útil, deixe um comentário ⤵⤵ com as suas visões, dúvidas ou preocupações em relação a este tema.
*os 4 exemplos práticos apresentados neste artigo foram retirados do livro “Irmãos Sem Ciúmes”, de Adele Faber e Elaine Mazlish