Rivalidade Entre Irmãos: Os Perigos Das Comparações

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os perigos das comparações

Alguma competitividade é natural

Nas relações entre irmãos, é natural existir alguma competitividade, é algo intrínseco que já nasce connosco, sendo que um irmão representa sempre uma ameaça no maior valor que as crianças têm, que é o amor dos seus pais – falei mais sobre isto num post sobre as relações entre irmãos e mediar conflitos, aqui.

Na infância estão muito exacerbados os nossos maiores medos humanos: não sermos amados, não sermos aceites. Quando esses medos estão mais aguçados, ou seja, quando as crianças têm as suas necessidades emocionais insatisfeitas, acontece normalmente uma de duas coisas: atitudes agressivas, violentas, ataque, desrespeito, comportamento desafiante; ou por outro lado, atitudes submissas e pouco respeitadoras da sua integridade própria, uma anulação pessoal e obediência servil.

Qual a responsabilidade dos pais?

Mas além da tendência natural de competição e ciúme que existe entre os irmãos, nós os pais também somos responsáveis por aguçar esse comportamento, sabem como? Além de estarmos pouco atentos às necessidades emocionais dos nossos filhos na maioria das vezes, também contribuímos para o problema comparando os nossos filhos constantemente (o que contribui para o aguçar dos tais medos e leva a comportamentos indesejados).

Coloquem-se no lugar das crianças, e imaginem por um momento que estavam a ouvir os vossos pais com os seguintes comentários, em relação aos vossos irmãos:

“A Lara está a portar-se tão bem, olha lá se ela está a gritar”
“Ainda não fizeste o trabalho? Devias ser como o Vicente, assim que chega da escola trata logo de fazer as tarefas, para ficar descansado.
“Já partiste isso? Eh pah, que tu estragas tudo. A tua mana é muito mais cuidadosa, ainda nem perdeu peças nenhumas do conjunto das pinypons.”

O que vos fez sentir estas frases? Se fossem crianças, o que seria mais provável estarem a pensar? Coisas deste género:

“Realmente a minha mana é mesmo bem comportada, vou calar-me e portar-me adequadamente como ela”
“Realmente o Vicente despacha-se num instante, vou ter mais atenção aos seus hábitos de estudo para ser igualmente produtivo”
“Ai sou tão descuidado, vou praticar mindfulness para ver se ganho mais atenção às coisas.”

Ou será que a criança que ouve tais comentários, fica mais aqui nesta linha de pensamentos…:

“Estúpida Lara, devia dar-lhe um murro, logo via se ficava caladinha”
“O Vicente faz sempre tudo bem, é um parvalhão, odeio-o.”
“A mãe só gosta da mana, porque eu não consigo fazer nada bem, estrago tudo.”
“Se não consigo ser o melhor, nem vale a pena tentar, só me resta ser o melhor a ser o pior!”

O que acham? Pelas minhas experiências de infância e não só, EU SEI que as crianças ficam maioritariamente no segundo tipo de pensamentos. Os tais medos que falei acima aguçam-se e as reações agressivas/submissas surgem naturalmente nos seus sistemas emocionais.

Comparações são inúteis e prejudiciais

As comparações no seio da família fazem com que certas crianças libertem um espírito agressivo de revolta, enquanto outras se fecham e “desistem” – por sentirem que nunca conseguirão ser melhores. Há muitos adultos a relatar que, quando há encontros de família, ainda existe a velha rivalidade e ainda são muitas vezes os pais a perpetuar este tipo de relação:
“A tua irmã traz sempre os miúdos tão arranjados, olha lá os teus parecem uns ciganitos…”
“Já viste como são educados os miúdos do teu irmão, o teu filho nem quer dar um beijinho à avó…”
“Ai que bom que arranjaste esse emprego estável nessa empresa grande… a tua irmã havia de pensar em algo parecido para ela, anda aí a fazer trabalhos soltos, não tem estabilidade nenhuma!”

Esta noção de que as comparações entre irmãos se arrastam para a idade adulta e continuam em muitas famílias a provocar azedume e ressentimentos, faz-me muita confusão, e impele-me sem dúvida a repensar a minha comunicação com os meus filhos. Se a minha intenção é que sejam amigos, tenho mesmo de evitar as comparações, por muito que por vezes me sinta tentada a usá-las, mesmo que seja para os motivar, por exemplo.

Cuidado com as indiretas

Mesmo que às vezes a comparação não seja literal, bastam insinuações em relação a uma característica do outro filho para que o primeiro se sinta julgado e pressionado. Mesmo que realçemos os aspetos positivos de cada um perante o outro, corremos o risco de entrar nos perigos dos rótulos e criar nas crianças um senso de expetactivas por cumprir.

Eu sempre jurei que nunca compararia os meus filhos e no entanto… dou por mim a fazê-lo ainda algumas vezes. Seja quando já estou frustrada ou mesmo quando estou feliz:
“A tua irmã ajuda sempre a meter a mesa e tu, é um problema todos os dias com isto!”
“Boa Inês, já sabes fazer os puzzles grandes, como o mano!!”

Totalmente desnecessário.

Torne-se um “descrevedor” de situações

O que temos para dizer a uma criança pode perfeitamente ser dito de forma direta ao interveniente da situação, sem mencionar mais ninguém:
“Preciso da tua ajuda a meter a mesa, filho.”
“Filha, estás a crescer imenso e já consegues fazer puzzles de 50 peças! Fantástico!”

A palavra chave é DESCREVER. Descrever o que vê, ou descrever o que lhe agrada ou não agrada. Descrever o que precisa de ser feito. Foque-se apenas no assunto do comportamento daquela criança. O que os irmãos fizeram ou não fizeram não tem nada a ver.

RESISTA AO DESEJO DE COMPARAR

Evite comparações favoráveis: descreva o que vê ou sente.

Em vez de:
“Estás tão crescido, não deixas as coisas espalhadas como um bebé.”
“Quem me dera que o teu irmão tivesse hábitos de estudo como tu, ele não se consegue concentrar por muito tempo…”
“Estás sempre tão bonita, a tua irmã não sabe muito bem conjugar as peças de roupa, como tu.”

(estas formulações tendem a gerar na criança sentimentos de superioridade perante o irmão)

Experimente descrever o que vê ou sente:
“Já vi que arrumaste os blocos, o camião e o puzzle!”
“Tens estado a estudar essa lista de vocabulário há mais de meia hora!”
“Gosto de ver como a tua blusa puxa o tom da saia.”

(estas formulações tendem a proporcionar na criança senso de autorealização e valorização própria)

Evite comparações desfavoráveis: descreva o problema.

Em vez de:
“Olha a porcaria que estás a fazer, nem o bebé se suja assim!”
“Como é que o teu irmão consegue chegar sempre a horas a casa para a aula de música e tu não?”
“Não te atrevas a chamar-me lenta quando estou a tentar ajudar-te com isto, a tua irmã nunca fala assim comigo!”

(esta abordagem tende a gerar na criança sentimentos de raiva perante o irmão que é o “santinho”, que faz sempre tudo bem, ou então sentimentos de culpa e vergonha por sentir que nunca é boa o suficiente e que não é amada)

Experimente descrever o problema:
“Está um pouco de leite a escorrer na parte da frente da tua camisola.”
“A tua professora de guitarra está à tua espera há dez minutos.”
“É difícil para mim ajudar-te quando estou a ser criticada!”

(este tipo de abordagem tende a gerar na criança um senso de autoconsciência e mais facilmente tomada de ação para resolver o problema – ou seja, aprendizagem mais eficiente, autonomia e incremento de autoestima)

Falar a um filho das qualidades do outro

Muitas vezes nem precisamos de comparar para que as crianças sintam, por exemplo, um elogio ao irmão, como uma humilhação a si próprio. Para eles há uma tradução automática: “o teu irmão é tão atencioso” é facilmente interpretado como “a mãe acha que eu não sou atenciosa!” Guardemos os nossos comentários positivos para entregar diretamente à criança merecedora.

Se houver algo de destaque que lhe apeteça elogiar, sobre uma criança, e as outras estiverem por perto, não custa nada ser sensível: descrever o que acha que a criança está a sentir é sempre uma boa ideia:
“Deves estar tão orgulhoso de ti mesmo”
“Deves ter colocado muita persistência e vontade nessa tarefa!!”

O truque é evitar acrescentos do tipo: “mal posso esperar para contar ao pai e aos avós!”. Contenha esta parte do entusiasmo e reserve para um momento em que esteja sozinho com a criança.

Mesmo nos momentos em que é quase impossível não comparar (momentos em que chegam as notas escolares dos dois irmãos, por exemplo) tente criar um momento individual para dar atenção a esse assunto de cada criança. O importante é que eles saibam que os pais os vêm como dois indivíduos separados e que não estão interessados em comparar as suas notas.

Mas, e não vivemos numa sociedade competitiva? Não deveríamos preparar as crianças para este mundo?

Se o preocupa o facto de vivermos numa sociedade onde grassa a competição, e pensa que temos de preparar as nossas crianças para essa realidade, deixe-me que lhe diga: quanto mais o ambiente em casa for de cooperação, de aceitação, de respeito, de encorajamento, mais facilmente a criança vai desenvolver as características que precisa para se “safar” no mundo lá fora. Ao longo do seu crescimento a criança precisa de fortalecer a sua autoestima, precisamente para que depois no mundo real possa ter estrutura para lidar com os variados desafios que a sociedade atual nos apresenta.

Então, resumindo, em vez de comparar positivamente ou negativamente uma criança em desfavor de outra, descreva o que vê, o que sente e o que precisa de ser feito.

Boa sorte na sua prática de comparar menos, e… venha contar-me o resultado depois, aqui nos comentários!! 🙂 Ah e partilhe este conteúdo com mais pais de vários filhos que conheça!

Artigo inspirado no segundo capítulo do livro “Irmãos Sem Ciúmes” de Adele Faber e Elaine Mazlish.

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