Quando se diz que a Parentalidade Consciente pode e deve ser iniciada antes sequer da gravidez, isso faz mesmo bastante sentido! Ao pensar em ter filhos, serão raros os casais que se detêm a refletir profundamente sobre o significado de ser pai/mãe, sobre os seus valores e prioridades no caminho de educar um ser humano, sobre a sua preparação emocional para embarcar na parentalidade. E especialmente, sobre o alinhamento do casal nas questões da educação e do desenvolvimento pessoal.
Muitos pais se identificarão: para alguns é logo após o nascimento, para outros um pouco mais tarde, mas quando começam a surgir os inevitáveis desafios que vêm com os cuidados e educação das crianças, intensificam-se os conflitos entre o casal. É do senso comum que os filhos “abanam” muito uma relação, e quantos casamentos não se deterioram (e até mesmo acabam!) porque o casal não consegue gerir conflitos e tensão. Ter filhos pequenos é uma alegria, uma bênção e uma fase mágica das nossas vidas, mas não podemos negar que é mesmo muito intenso e as emoções mais negativas também podem ter bastante expressão nesta equação!
Alguns desses conflitos que os casais normalmente vivenciam, poderão estar ligados com um desalinhamento nas opiniões que têm em relação à forma como as coisas devem ser feitas: diferentes pessoas têm diferentes visões, ideias e opiniões. Eu por exemplo, que sempre me interessei pela área da educação, ainda grávida queria muito discutir certas opções educativas com o meu companheiro: “O que faremos quando acontecer isto ou aquilo? Que tipo de escola vamos procurar para o nosso filho? Como vamos reagir quando ele perguntar A ou B?” O meu companheiro, que é da pragmática área da gestão financeira, e que nunca se tinha questionado minimamente em relação a como iria educar um filho, ficava surpreso com as minhas preocupações. Na sua perspetiva, apenas iria pensar nas estratégias quando se defrontasse com as situações. E eu, com tanta vontade de debater esses assuntos, senti logo nessa altura um certo desfasamento que me deixou algo desconfortável.
Esta questão da co-parentalidade torna-se um ponto delicado em muitas famílias, pela diferença que pode então existir entre as opiniões e atitudes do pai e da mãe, no que respeita a todas as decisões do dia a dia que existem quando educamos crianças. Das mais pequenas decisões às maiores. Decidir que escola ele frequentará, decidir sobre a sua alimentação, sobre o que veste, sobre se come gelado, sobre se pode ir sozinho para casa dos avós durante 3 dias. E também decidir sobre a maneira como comunicamos com o nosso filho, decidir que valores são mais importantes de transmitir, e de que forma vamos fazer isso. Decidir que tipo de relação queremos criar com os nossos filhos! Pode haver grandes diferenças na mente do pai e da mãe quanto a estas coisas.
Assim, vemos muitas mães (e muitos pais!) a entrar no caminho de uma parentalidade mais consciente e mais pensada, a questionarem-se sobre as suas estratégias, crenças e ferramentas, mas ao mesmo tempo a sofrer, por se sentirem sozinhas nesse caminho, por se sentirem incompreendidas e desapoiadas por uma pessoa muito importante nesse processo: a pessoa com quem partilham a parentalidade. E por lhes surgir uma grande dúvida: “Como vou eu aplicar estes novos conhecimentos, como vou eu esforçar-me por lidar com o meu filho de forma mais consciente, se o meu companheiro depois está num registo totalmente diferente? Se estamos completamente desfasados em termos de estratégias? Que impacto isso terá no meu filho? Não deveríamos formar uma frente unida e harmoniosa para as crianças não sentirem esta rutura?”
Eu posso dizer que senti essas dúvidas e receios. Felizmente, uma das coisas fantásticas da Parentalidade Consciente é que não nos traz apenas recursos para lidar com as crianças: apresenta-nos ferramentas eficazes para lidar também com os nossos companheiros e companheiras, com os nossos pais, amigos ou vizinhos, e, acima de tudo, connosco próprias! Assim, a Parentalidade Consciente ajudou-me muito quando surgiram estas questões mais controversas relacionadas com a co-parentalidade. E essa ajuda chegou essencialmente através da prática de Mindfulness e das atitudes associadas.
Praticar o Não-julgamento em relação ao que o outro considera válido para si, às escolhas do outro: essas escolhas e opiniões são o que são, e eu apenas observo sem avaliar. Aceitar, ficar em paz com aquilo que está a acontecer, ver com clareza aquilo que se passa para saber como lidar com isso. Confiar, que vai correr tudo bem, e que cada um está exatamente no processo em que deve estar num determinado momento. Confiar que as coisas podem mudar, que nada dura para sempre. Ter Paciência, porque eu aprendi que me devo relacionar com o meu filho segundo aquilo que eu acredito que está certo neste momento. Estou no meu ritmo, no meu tempo certo. E cada um tem o seu tempo para tudo. Se for para acontecer, acontecerá. Ficar em paz com o fluir da vida. A Paciência foi especialmente importante para mim pois só com o tempo eu pude ir demonstrando os benefícios da Parentalidade Consciente no seio da minha família. Esse tempo teve que passar, tem que continuar a passar, enquanto eu aguardo pacientemente.
Muitas vezes o meu marido diz, em relação ao nosso filho: “Ah mas contigo ele não reclama para tomar banho”, ou “Vai lá tu que tens mais jeito para o fazer vestir-se” ou qualquer coisa do género. É nesses momentos que lhe digo que não é por acaso que ele se comporta de maneira diferente comigo, mas que se trata da atenção que coloco na minha forma de comunicar, de reconhecer a situação e as emoções do momento, de mostrar empatia, de tentar entender as suas e também as minhas necessidades. Todas as nossas ações provocam uma reação no outro lado, e sem dúvida a reação do nosso interlocutor, seja adulto ou criança, será tanto mais colaborativa quanto mais nós formos empáticos, congruentes, respeitadores e assertivos.
É muito visível a harmonia que a Parentalidade Consciente nos traz nas interações com as crianças, e a quantidade de birras que evita! A cooperação sem conflitos traz muita tranquilidade ao nosso dia e cria relações fortes entre nós e os nossos filhos. E entre os nossos filhos uns com os outros. Quem não se renderia a isto? Ninguém tem filhos para se andar a chatear com eles a toda a hora, ter de mandá-los fazer tudo à força, ouvir guinchos e birras constantes, sentir-se frequentemente desafiado e envolvido em lutas de poder!
Por isso, em relação à co-parentalidade, o que me tranquilizou foi ser honesta comigo mesma, seguir as minhas convicções no presente, de forma congruente, mas aceitando que o meu companheiro terá as suas próprias convicções e formas de agir. E está tudo bem. O que tiver de acontecer, acontecerá. Porque o nosso medo ou receio coloca-nos mais limitações do que possibilidades.
As probabilidades mostram assim que ao abraçarmos a Parentalidade Consciente, começamos a gerar melhores resultados: na nossa relação com os nossos filhos e connosco próprias! E isso pode ser muito inspirador para quem nos rodeia. O mais provável é que o companheiro que agora se mostra resistente, tradicionalista, e com pouca abertura a este tipo de abordagem parental, ao observar a mudança das dinâmicas e a diferença de resultados, se sinta impelido afinal a querer saber um pouco mais, a procurar conselhos para gerir esta ou aquela situação, e a ter uma atitude mais recetiva.
Tal como com os nossos filhos, também com as outras pessoas na nossa vida, nada melhor do que modelar aquilo que queremos ensinar, que queremos transmitir. Sempre ouvi dizer que as ações contam mais que as palavras.
Penso que se aplica bem neste caso!
(artigo publicado a 6/7/2017 em academiadeparentalidade.com)